Sobre fazer junto.
- Educom UFU
- 2 de abr.
- 3 min de leitura
Uma crônica sobre solidão, educomunicação e esperança.
Na minha lista de experiências compartilhadas dos seres humanos (diga-se de passagem uma lista figurada, não é como se eu realmente escrevesse isso em um papel), destaco aqui um sentimento. Uma sensação que explode em frase em nossa cabeça como milho de pipoca e que surge nas mais diferentes situações: em um divã, no colo de uma pessoa querida, em seu quarto ou em meio a multidão. A frase-explosão nem sempre sai pela boca, mas costuma ecoar na cabeça, como se de repente só existisse essa certeza:
– Me sinto sozinho.
O que é no mínimo irônico. Veja, como seria possível se sentir sozinho enquanto se partilha uma sala de aula com mais de 30 pessoas ou um ônibus, com mais de 40, ou uma casa, com ao menos mais alguém? É possível se sentir sozinho em um abraço? A conclusão óbvia é que talvez, realmente, ao menos no sentido mais puro, não se tratasse de solidão. Afinal, não se estava fisicamente sozinho em nenhuma das situações citadas. Mas, o sentimento ainda se mantém, solidão ou não.
Você poderia me dizer que sozinho mesmo, só aquele homem que mora na Sibéria em uma pequena cabana afastada, que quando sente fome procura sua própria comida e que vive em paz sem os problemas da vida moderna (o curioso é que alguns também dariam esse exemplo para classificar o que seria liberdade). E se você tem o direito de me dizer, eu tenho o direito de discordar. Entenda, se ele necessita de entrar em contato com os bichos para matar, se têm seus pequenos objetos (que, para os seres humanos, por vezes tendem a ser até mais relevantes que as pessoas) e se tem sua casa, o nosso amigo eremita está realmente sozinho? E se não está sozinho, isso também não impede que ele se sinta sozinho com seu urso frito no prato.
Já faz um tempo que desisti de achar uma situação em que estamos completamente sozinhos. Afinal, até quando nos sentimos sozinhos(seja lá o que for exatamente se sentir sozinho), haverá alguém em alguma parte do globo com o mesmo sentimento e, de repente, até essa experiência se torna compartilhada. A vida humana se baseia no “fazer junto”. Nas nossas interações com o mundo em nossa volta.
Ainda assim, insistimos em dizer que conseguimos alcançar o nível mais puro de solidão (e que devemos estar conformados e felizes com ela. Haja livro de autoajuda!), garantimos e protegemos nossa originalidade (excluindo tudo e todos que nos trouxeram até aquele momento e que construíram quem nós somos) e, talvez seja daqui o sentimento inexplicável de solidão, criamos barreiras entre o “eu” e o “outro”. Escolhemos por fim, fingir que esse tal de “fazer junto” é ignorável e exigimos autossuficiência em todos os âmbitos da vida (e a qualquer custo). É aí que paramos de ouvir e passamos a regurgitar nossas questões, perspectivas e opiniões(que são absolutamente corretas e inquestionáveis, claro) e, portanto, paramos de dialogar.
Em um mundo de Paulo Freire e Mário Kaplun, pais da chamada Educomunicação, deixamos de ignorar o “fazer junto” para simplesmente valorizá-lo e tentar desenvolvê-lo com qualidade. Uma espécie de “se não pode contra eles, junte-se a eles". Passamos a estar presentes, com ouvidos atentos e dispostos a ter nossos valores colocados em suspensão, sem absolutismos. Nos colocamos em posição horizontal em relação ao outro, com a certeza de que, estabelecido o diálogo, o aprendizado é de ambas as partes.
Este mundo, e talvez você me chame de esperançoso demais, é aquele pelo qual luto todos os dias e para isso, luto contra minhas certezas e ego. Luto para que as pessoas em seus divãs, colo de indivíduos queridos, nas salas de aula, no trabalho, nos abraços, nos ônibus, nas casas, nos quartos ou em cabanas da Sibéria possam se sentir ouvidos, e talvez, menos sozinhos. Não é como se a solidão fosse tirada como uma luva ou como se eu soubesse exatamente sobre o que ela se trata. Mas, se descobrimos que enfrentamos ela juntos, ela pode se tornar menos solitária. Assumir o fazer junto é o caminho para que todos os outros caminhos se abram. Abrir esses novos caminhos é como abrir o mundo.
Um mundo que é, antes de tudo, nosso. E se é nosso é porque o construímos, perdidos nas nossas solidões, juntos.

AMEI!!